sexta-feira, novembro 30, 2007

Mário Quintana

Esperança

Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E— ó delicioso vôo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança...
E em torno dela indagará o povo:
— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA...


Ideais

Os poetas jogam os poemas
por sobre as águas do mar.
Na praia do Mar do Tempo
que versos irão chegar?


Características

Produção contínua e absoluta falta de autocrítica, eis aí a caracterização dos gênios; mas, em compensação, o que sempre caracteriza os cretinos é a absoluta falta de autocrítica e a produção contínua.



+++ Etecetera

Releituras de Mário Quintana

Jornal da Poesia

segunda-feira, outubro 01, 2007

Ascenso Ferreira

Filosofia

Hora de comer — comer!

Hora de dormir — dormir!

Hora de vadiar — vadiar!

Hora de trabalhar?

— Pernas pro ar que ninguém é de ferro!



+++ Etecetera

Releituras de Ascenso Ferreira

quarta-feira, setembro 12, 2007

Alice Ruiz

tem os que passam
e tudo se passa
com passos já passados

tem os que partem
da pedra ao vidro
deixam tudo partido

e tem, ainda bem,
os que deixam
a vaga impressão
de ter ficado

Alice Ruiz



+++ Etecetera

Site oficial de Alice Ruiz

Releituras de Alice Ruiz

terça-feira, setembro 11, 2007

Paulo Leminski

I

Confira
tudo que
respira
conspira

II

Tudo é vago e muito vário
meu destino não tem siso,
o que eu quero não tem preço
ter um preço é necessário,
e nada disso é preciso

III

Cinco bares,
dez conhaques
atravesso são paulo
dormindo dentro de um táxi

IV

isso de querer
ser exatamente aquilo
que a gente é
ainda vai
nos levar além

V

O pauloleminski
é um cachorro louco
que deve ser morto
a pau a pedra
a fogo a pique
senão é bem capaz
o filhodaputa
de fazer chover
em nosso piquenique

Paulo Leminski



+++ Etecetera

Releituras de Paulo Leminski

segunda-feira, agosto 27, 2007

Álvares de Azevedo

Meu Anjo

Meu anjo tem o encanto, a maravilha,
Da espontânea canção dos passarinhos;
Tem os seios tão alvos, tão macios
Como o pêlo sedoso dos arminhos.

Triste de noite na janela a vejo
E de seus lábios o gemido escuto.
É leve a criatura vaporosa
Como a froixa fumaça de um charuto.

Parece até que sobre a fronte angélica
Um anjo lhe depôs coroa e nimbo...
Formosa a vejo assim entre meus sonhos
Mais bela no vapor do meu cachimbo.

Como o vinho espanhol, um beijo dela
Entorna ao sangue a luz do paraíso.
Dá morte num desdém, num beijo vida,
E celestes desmaios num sorriso!

Mas quis a minha sina que seu peito
Não batesse por mim nem um minuto,
E que ela fosse leviana e bela
Como a leve fumaça de um charuto!

Álvares de Azevedo



+++ Etecetera

Biografia de Álvares de Azevedo

domingo, agosto 26, 2007

Carlos Nejar

O Homem e as Coisas

As coisas não se submetem
à nossa vestidura;
na máscara que somos
as coisas nos conjuram.

Por que não escutá-las,
tão sáfaras e puras,
como flores ou larvas,
estranhas criaturas?

Por que desprezá-las
no sopro que as transmuda
com os olhos de favas,
fechados na espessura?

Por que não escutá-las
na linguagem mais dura,
comprimidas as asas
na testa que as vincula?

Despimos a armadura
e a viseira diurna;
a linguagem resvala
onde as coisas se apuram.

Recônditas e escravas
na cava da palavra,
são fiandeiras escuras
ou áspides sequiosas.

As coisas não se submetem
à nossa vestidura.

Carlos Nejar



+++ Etecetera

Releituras de Carlos Nejar

Carlos Nejar, o Poeta da Condição Humana